20.6.08

Fica Comigo Esta Noite


“(…)E tive-te, atrás do espelho, todas as manhãs da minha vida. Porque foi sempre para ti que me quis bonita, mesmo nos dias escuros. É em ti que penso, quando escolho a roupa ou escovo o cabelo, todos os dias. Na possibilidade de te encontrar, no acaso de uma esquina.
(…)
…no tempo em que nos metíamos por dentro do corpo um do outro como se sozinhos fôssemos apenas pedaços de um corpo mutilado.
(…)
Adormeci todas as noites da minha vida nos teus ombros estreitos de adolescente eterno. Nunca foste bonito, mas possuías um não sei quê de juventude ancorada que te tornava imediatamente comovente. Usavas e abusavas desse não sei quê. Não acreditavas em nada, vivias num aquário de sonhos impossíveis que fazia de ti um anjo negro, abismo de lágrimas congeladas.
(…)
Posso ter inventado tudo, menos o fulgor perfeito dos nossos corpos juntos. Uma vida inteira não basta para apagar da pele o peso magnífico desse fulgor. Só sexo, disseram-me as amigas íntimas, quando eu ainda chorava com elas a saudade do êxtase. Só sexo, fogo e palha, talvez tenham razão.
(…)
Todas as noites me acaricio com os teus dedos, fecho os olhos e sugo os teus dedos sob o contorno dos meus e conduzo-te pelo meu corpo como tu me conduzias. Todas as noites rebolamos da cama para o chão e do chão para cima da cómoda do teu quarto e para a mesa da sala e para as lajes frias da cozinha, todas as noites percorremos abraçados a casa velha onde já não moras, a casa velha que se calhar já se desmoronou sem a nossa ajuda. Todas as noites tu entras em mim por todas as portas, a tua língua silenciosa desperta vertigens desconhecidas nas partes secretas das minhas orelhas e das minhas pernas e dos meus pés. Todas as noites sinto o castanho dos teus olhos grandes dissolvendo-se nos meus com uma felicidade quente, imensa, vejo os teus quadris estreitos de rapaz dançando sobre o redondo do meu ventre, das minhas nádegas, todas as noites os teus dentes mordem o meu pescoço no sítio exacto em que o meu corpo guardava a última fechadura, todas as noites volto a subir a esse monte dos vendavais só nosso. Só sexo, seja.
(…)
Tantas vezes te pedi:"Diz-me que me amas, diz só uma vez. Mesmo que seja mentira. Diz-me. Só para eu guardar o som da tua voz a dizer essa palavra."
(…)
Fechas a porta e começas a beijar-me, primeiro os olhos, depois o lóbulo da orelha, depois o pescoço, enquanto os teus dedos me abrem a camisa e me procuram os seios. Beijamo-nos de olhos abertos, como sempre

(…)
Entramos um no outro de olhos abertos, como se mergulhássemos num mar de silêncio e fogo escuro.
(…)
Talvez para morrer eu precise do amor e da família. Mas para acabar de viver, só preciso de ti, desta febre azul a que os outros chamam só sexo.”



'Só Sexo, Fica Comigo Esta Noite, Inês Pedrosa'

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