3.12.08

«Dizias: " Não fujas, Sininho." Vivíamos na terra do nunca, onde não se cresce para não se morrer, tu rias-te e emprestavas-me a melancolia lancinante de uma fada ciumenta. "Não fujas, Sininho." Dizias isto muito devagar, e depois corrias por um campo de sangue, com os pés lentos combatendo o lodo cor de vinho. E eu queria dizer-te que não me chamo Sininho. Queria dizer-te o meu nome, mas já não tinha voz.

Separados, éramos muito mais úteis ao extremoso grupo de amigos que criáramos do que juntos, cintilantes e perigosos como um par de amantes. Os seres que criáramos precisavam de nos matar para sobreviver. E nós deixámo-nos matar, porque está na natureza do amor estilhaçar-se sem ruído, desfazer-se em vidros e pesar-nos no lugar do coração até que a morte o restaure.

Afastei-me do homem que me revelou a radiação da felicidade porque nenhum de nós podia abraçar a luz vertical desse céu oferecido. Encontrámo-nos demasiado cedo numa civilização descrente de encontros definitivos. Entendíamo-nos inteiramente. Estranhávamos esse entendimento tão íntimo, semelhante a um crime sem culpa. Desconhecíamos por completo o enigma da vida de casal, a habitualidade e os contornos passionais do tédio, de forma que depressa nos reencontrámos irmãos. Mas não podíamos viver em fraternidade sendo namorados, nem viver como namorados sendo irmãos. Juntos, éramos um só ampliado pelo menos duas centenas de vezes. Não precisávamos de mais ninguém.»


Mais uma vez Fazes-me Falta ~Inês Pedrosa

Nenhum comentário: