8.12.08


"E nunca me aproximara tanto do teu corpo. O teu cheiro surpreendeu-me pela delicadeza e pela névoa erótica. Encostei o meu braço ao teu e comecei a transpirar. Sentia uma vontade violenta de me desmoronar em ti. Não, não era fazer amor. Fazer amor não existe, porra, o amor não se faz. O amor desaba sobre nós já feito, não o controlamos - por isso o sistema se cansa tanto a substituí-lo pelo sexo, coisa gráfica, aparentemente moldável. Também não era foder, fornicar, copular - essas palavras violentas com que tentamos rebentar o amor. Como se fosse possível. Como se o amor não fosse exactamente essa fornicação metafísica que não nos diz respeito - sofremos-lhe apenas os estilhaços, que nos roubam vida e vontade. Eu queria oferecer-te o meu corpo para que o absorvesses no teu. Para que me fizesses desaparecer nos teus ossos. Eu, educado no preceito alimentar de que os rapazes comem as raparigas, depois de uma vida inteira de domínio dos talheres queria agora ser comido por ti. Queria entregar-me nas tuas mãos. E entreguei-me - terás percebido isso? Deixei de saber quem era. Continuo a precisar de ti para existir. Para dormir.

(...)

Conversávamos pela noite dentro em tua casa, tu já mal conseguias manter as pálpebras levantadas. Pedi-te que me deixasses ficar mais um bocadinho, porque me custava entrar em casa sem sono. Pegaste-me na mão - anda comigo - e levaste-me para a cama. Enroscaste-te em mim e começaste a coçar-me as costas, muito devagar. Dormimos muitas e muitas vezes assim - e nunca, nem por um segundo, pensámos em fazer aquilo a que os inocentes chamam sexo. Falávamos muito disso, sim - desse acto a que as pessoas vão chamando sexo ou amor consoante as conveniências e as circunstâncias. Esse acto que as pessoas vão repetindo até à mais exaustiva solidão. Nós não podíamos prescindir um do outro. Não podíamos entrar no infinito jogo finito do corpo. Derramei sobre a tua vida, por incontáveis noites, os meus breves amores perfeitos, pormenor a pormenor. E tu derramaste sobre a minha as tuas paixões impossíveis, impossíveis de apagar. Desejo-te tanto, ainda."


Fazes-me Falta ~ Inês Pedrosa

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